Guided participation in youth media practices
Keywords:
youth; media; literacy; guided participation; user-generated contentAbstract
Youth has to deal with some digital practices and develop media discourses on their own.
Our study aims to deepen these concepts from the point of view of the guided participation, understood
in this case as a collaborative process of media literacy based on culturally significant
activities. Our data comes from a series of workshops that took place at the Telefonica Flagship
Store (Madrid, Spain) with teens between eight and 14 years old. The evidence was collected by
qualitative research techniques such as observation, conversation and descriptive analysis. The
results give us some preliminary ideas for discussion: 1) social media practices enable youth to
connect their online and offline activities with their interests; 2) the generation of collaborative
learning scenarios based on the interaction between young people becomes a fundamental element
of media literacy and 3) user-generated content emerges as an identity and habits depiction
in media, especially among young people.
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Introdução
As crianças vivem numa ecologia convergente de media e utilizam frequentemente dispositivos digitais nas escolas e nos seus momentos de lazer em casa. No entanto, muitas redes sociais exigem aptidões específicas para gerar conteúdo mediático e participar na comunidade de utilizadores. Portanto, os jovens têm de lidar com algumas práticas digitais e desenvolver discursos mediáticos por conta própria. O objetivo do nosso estudo é aprofundar estes conceitos do ponto de vista da participação guiada, compreendida, neste caso, como um processo colaborativo de literacia mediática baseado em atividades culturalmente significativas.
Os nossos dados provêm de uma série de workshops realizados na Telefonica Flagship Store (Madrid, Espanha) com adolescentes entre os oito e os 14 anos de idade. Nestes workshops, os jovens usaram iPads para gerar conteúdo visual e partilhar as suas criações em redes sociais como o Instagram. Os jovens interagiram com os investigadores utilizando aplicações digitais, gerando mensagens e participando numa comunidade de prática.
O principal objetivo da investigação foi aproveitar este contexto para abordar a literacia mediática dos jovens nas redes sociais, a partir de uma perspetiva de participação guiada. De acordo com isto, os nossos objetivos são:
identificar os hábitos mediáticos dos participantes nos workshops;
avaliar as práticas de aprendizagem dos jovens dentro dos media nos workshops;
explorar os discursos utilizados pelos jovens nos workshops.
Em primeiro lugar, analisaremos o enquadramento teórico dos processos de aprendizagem colaborativa em contextos mediáticos e, depois, abordaremos a natureza dos discursos presentes nos novos media.
Aprender com as práticas mediáticas
Ninguém duvida que os media contribuem para a estruturação da sociedade e cultura contemporâneas. Os cidadãos, especialmente os mais jovens, acedem a e participam nestes meios de comunicação sem qualquer formação específica (De la Fuente, Lacasa & Martínez-Borda, 2019). No entanto, ainda hoje, a educação em torno destes media é reservada para o campo profissional e académico. Por este motivo, compreendemos a literacia mediática (Scolari, 2018) como um modelo de aprendizagem que alarga o uso e a participação nos media para além da sala de aula.
Isto levou-nos a procurar uma metodologia para a educação mediática, que não se limita à literacia funcional, mas também é capaz de promover práticas e discursos específicos ao contexto sociocultural dos jovens (Cortesi & Gasser 2015; Itō, 2010; Jenkins, Itō & boyd, 2015), o que nos traz de volta à psicologia cultural e à tradição dos modelos de aprendizagem cognitiva, como os de Lev Vygotsky.
Nesta linha, autores como Lave e Wenger (1991) propuseram um modelo que parte da participação periférica e acaba por desenvolver uma participação plena no contexto sociocultural, ou seja, aprendizagem situada. Para Claudio Magalhães (2018), o modelo de Vygotsky explica que o mecanismo pelo qual a interação social facilita o desenvolvimento cognitivo se assemelha a uma situação de aprendizagem, na qual um principiante trabalha de perto com um especialista na resolução conjunta de um problema no âmbito do desenvolvimento proximal.
É assim que surge o conceito de participação guiada; enquanto “processos e sistemas de participação entre pessoas que comunicam e coordenam esforços durante a sua participação em atividades culturalmente valorizadas” (Rogoff, 2008, p. 142). Desta forma, a participação guiada promove andaimes coletivos (Bruner, 1996), nos quais quer os principiantes, quer os especialistas partilham os mesmos objetivos, recursos e estratégias dentro do mesmo contexto. A aprendizagem é alcançada graças ao facto de os aprendizes serem capazes de estabelecer uma ligação entre o conhecimento anterior e a experiência na resolução de problemas reais.
Uma abordagem mais atual, baseada nesta mesma tradição de Vygotsky, seria a de aprendizagem conectada (Itō et al., 2013), que supõe a soma de interesses pessoais, colaboração entre iguais e desempenho escolar. Este é um contexto de aprendizagem que combina ambientes reais e virtuais ao criar uma comunidade de prática na qual qualquer pessoa pode participar:
a aprendizagem conectada é alcançada quando um jovem é capaz de prosseguir um interesse ou paixão pessoal com o apoio de amigos e adultos atenciosos e, por sua vez, é capaz de ligar esta aprendizagem e interesse a outras áreas da sua vida. Este modelo é baseado em observações de que a aprendizagem mais resiliente, adaptável e eficaz envolve interesse individual, assim como apoio social, para superar as adversidades e proporcionar reconhecimento. Este conceito procura construir comunidades e capacidades coletivas para aprendizagem e oportunidade. (Itō et al., 2013, p. 3)
Subjacente a todos estes modelos está o desejo de estabelecer uma aprendizagem aberta, colaborativa e com significado, cujo eixo de ação é a cultura participativa e a inteligência coletiva (Carpentier, 2011; Jenkins, Itō & boyd, 2015; Lévy, 1997). É um modelo nascido no campo da psicologia e da educação, e que atualmente está a ser estudado de forma mais enraizada na comunicação, principalmente nas práticas e discursos associados aos novos media (Burn, 2009; Gauntlett, 2013; Lowgren & Reimer, 2013).
O discurso dos novos media
A preponderância dos discursos digitais tem sido paralela ao crescimento dos repertórios geracionais por parte dos utilizadores dos media. Até há pouco tempo, os únicos discursos que podiam ser analisados eram os canónicos, elaborados pelos media tradicionais. Geralmente, estes estudos analisavam as relações de poder com uma perspetiva crítica (Fairclough, 1992; Foucault, 1971). Atualmente, no entanto, os novos media estão a desviar o foco de interesse destes estudos. Conforme sugerido pelo livro Discourse and digital practices, “os media digitais, de algumas formas, forçam-nos a repensar as nossas próprias definições de termos como texto, contexto, interação e poder” (Jones, Chik & Hafner, 2015, p. 5), o que equivale à redefinição das características do discurso elaborado através destes media.
Alguns estudos sobre o uso da linguagem nos novos media (Barton & Lee, 2013; Georgakopoulou & Spilioti, 2015; Hocks & Kendrick, 2003; Page, 2014) remetem-nos para duas das suas principais características: multimodalidade e intertextualidade. A primeira característica afeta a natureza dos textos produzidos através dos novos media. Compreendemos esta multimodalidade (Kress, 2010; Machin, 2013; Rowsell, 2013) como a capacidade que temos de combinar vários códigos expressivos para obter um único texto ao qual damos sentido através da mesma semiose.
A intertextualidade (Gauntlett, 2013; Jenkins, Ford & Green, 2013; Madianou & Miller, 2013) refere-se à capacidade de gerar significados através de referências a outros textos. Esta segunda característica é vital para compreender por que motivo o conteúdo dos novos media faz sentido enquanto discursos e não como produtos fechados dentro de si mesmos. Voltando ao livro editado por Rodney Jones et al. (2015), temos de destacar a apropriação e a recontextualização de textos como uma das principais características do discurso nos novos media:
assim como a intertextualidade e a multimodalidade são características determinantes do discurso mediado digitalmente, a recontextualização também o é. Grande parte da forma como elaboramos os nossos textos e enunciados depende da maneira como levamos em conta os contextos nos quais eles serão interpretados. (Jones et al., 2015, p. 5)
Nesta altura, vale a pena reconhecer que os estudos do discurso nos novos media (van Dijk, 2011; Pilkington, 2016; Thurlow & Mroczek, 2011) fornecem-nos uma nova abordagem, não apenas para conhecer o uso da linguagem, mas também para compreender como estas novas formas de comunicação transcendem os ambientes digitais (De la Fuente, García-Pernía, Cortés-Gómez, Martinez-Borda & Lacasa, 2017). É cada vez mais difícil separar as atividades que realizamos dentro ou fora dos media e diferenciar o seu discurso da nossa própria atividade cognitiva.
Em resumo, o nosso discurso é mediado, assim como a nossa participação nos media contribui para a geração de novos discursos. Recorrendo à noção de género discursivo (Bakhtin, 2010), a sua validade é atribuída precisamente aos novos media, graças ao seu caráter dialógico, o que equivale a dizer que o discurso é configurado na própria prática. É por isso que a geração de significados está relacionada com a participação. Se os media são o contexto, o discurso é a ferramenta para participar nos processos sociais e culturais.
Método
Tal como revisto no enquadramento teórico, a nossa investigação é marcada por práticas nos novos media e pelos discursos associados ao seu contexto, mas também queremos focar o estudo numa população especialmente sensível a estas mudanças, ou seja, os jovens. Neste sentido, o conceito de prática (Bourdieu, 1977) é fundamental enquanto unidade de análise, pois permite-nos observar o processo e compreender os resultados dentro do contexto.
Vários cientistas sociais definem estas práticas como modelos de comportamento ligados a atividades, objetos e usos culturais (Bellotti, 2015; De Meulenaere & De Grove, 2016; Dorsten & Hotchkiss, 2014; Jensen & Laurie, 2016). Portanto, uma investigação empírica baseada nestas práticas deve incluir, segundo De Meulenaere e Grove (2016, p. 214): o estudo dos procedimentos, a compreensão do significado que tem para os participantes e a identidade que é estabelecida com os resultados materiais. Só podemos interpretar o verdadeiro significado das práticas nos novos media se tivermos em conta estes fatores.
Assim, o nosso objeto de estudo seriam as práticas que os jovens desenvolvem dentro da participação guiada dos investigadores. Segundo Susan Gair e Ariella Van Luyn (2017), este contexto pode ser alcançado com o desenvolvimento de atividades criativas através dos novos media e, ao mesmo tempo, em contextos físicos, ambos partilhados com os investigadores. No nosso caso, decidimos gerar esta participação guiada através da realização de workshops de arte digital com jovens, em contextos não formais. O objetivo era aproveitar estes contextos a partir de uma perspetiva abrangente. Isto vem juntar-se ainda à promoção da criatividade, comprometendo os investigadores a promover a literacia mediática e a participação social através dos novos media.
Dados
A origem deste estudo é o resultado da colaboração entre a Universidade de Alcalá e a Fundación Telefónica, através do Interactive Generations Forum (Fórum de Gerações Interativas). A proposta baseia-se na realização de uma série de workshops destinados a jovens, para aprenderem a lidar com diferentes aplicações móveis. Enquanto os participantes exploram a linguagem fotográfica e as redes sociais, os investigadores analisam a forma como utilizam estes dispositivos e que práticas desenvolvem neste contexto.
Neste caso, os workshops realizaram-se na Telefónica Flagship Store, em Madrid, e estavam abertos a jovens entre os oito e os 14 anos de idade, previamente registados no site . Os adultos que acompanhavam os participantes podiam permanecer no espaço e participar nas atividades do workshop. Dependendo do número de participantes (que variavam entre 12 e 25), estes tinham acesso a um iPad individualmente ou em pares. Cada tablet tinha uma ligação à internet com a sua própria conta, o que permitia o acesso de utilizadores diferentes às mesmas redes sociais. Adicionalmente, cada iPad tinha instalado aplicações diferentes para tirar e editar fotografias.
Como se trata de um estudo etnográfico, é muito importante conhecer bem cada participante e personalizar ao máximo os dados recolhidos. Por este motivo, temos um registo completo de presenças e, acima de tudo, um acompanhamento personalizado através do iPad. No início de cada workshop, era pedido a cada participante que tirasse uma selfie, para que todas as fotografias que tirasse estivessem devidamente identificadas. No final de cada workshop, também era pedido que escrevesse um pequeno texto com o seu nome, idade e o nome do investigador acompanhante. Toda esta informação é conservada ao abrigo das regras do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados e apenas foi solicitada autorização aos tutores para que os dados fossem recolhidos de forma totalmente anónima.
Sessão | 04/10/2014 | 22/11/2014 | 13/12/2014 |
Participantes | 15 | 14 | 21 |
Ficheiros | 499 | 588 | 1026 |
Resumos | 6 | 13 | 7 |
Áudio | 00:24:28 03:03:51 | 0039:33 00:50:57 | 00:27:45 00:27:26 01:48:45 |
Fotos | 244 (DSNG) 18 (Smartphone) 52 (Smartphone) | 317 (DSNG) 520 (DSNG) 22 (iPad) | 211 (DSNG) 343 (DSNG) 4 (Smartphone) 27 (Smartphone) |
Vídeo | 2:12:35 H. (Cam 1) 1:55:55 H (Cam 2) | 1:45:30 (Cam GG1) 0:26:58 (Cam GG2) 2:17:20 (Cam GP) 2:08:43 (Cam GM) | 2:17:51 (Cam GG) 2:03:42 (Cam GP) 0:36:46 (Cam GM) |
A recolha de dados foi completada com o registo audiovisual da sessão. Duas câmaras de vídeo garantiram a cobertura total de situações de grandes grupos, com imagens alternadas entre o investigador principal e os outros participantes. Foi adicionada outra câmara quando, em determinados momentos, os participantes eram divididos em três grupos, realizando-se um acompanhamento completo. Além disso, cada investigador tinha consigo um gravador de áudio que usava para realizar entrevistas pessoais e facilitar gravações de segurança. Por fim, dois fotógrafos fizeram uma reportagem de cada sessão, apoiando o registo visual externo das atividades realizadas durante o workshop.
Análise
A análise é, talvez, a parte mais crítica de qualquer pesquisa qualitativa. No nosso caso, a dificuldade em relacionar estes dados com o restante recaía na utilização prioritária de uma abordagem visual e participativa (Mannay, 2016). Isto implicava a combinação de diferentes fontes de dados, como os diários dos investigadores, as gravações das atividades e o conteúdo dos participantes. Tudo isto proporcionou diferentes pontos de vista a partir dos quais aplicar a análise.
Depois de revistos vários exemplos destas abordagens interpretativas (Delgado, 2015; Moss, 2016; Tinkler, 2013), concluímos que, em vez de optar por perspetivas separadas, seria sensato optar por uma análise hermenêutica, ou seja, interpretar as diferentes instâncias e pontos de vista nos dados produzidos como um todo através dos quais, segundo Margrit Shreier (2012), o significado é construído.
Isto levou-nos a propor a análise de conteúdo (Bazeley, 2013; Krippendorff, 2013; Schreier, 2012) como o método privilegiado para interpretar os processos de criação de significados onde quer que surjam e levando em consideração todos os intervenientes presentes. Para Klaus Krippendorff (2013), isto envolve analisar as relações entre os participantes, o contexto dos media, as ferramentas tecnológicas e os símbolos estabelecidos através da cultura.
A nossa análise concetual baseou-se, portanto, na codificação destas três fontes de informação: textual, visual e auditiva. Os documentos escritos foram os diários de pesquisa, assim como os resumos das reuniões do grupo de investigação. As informações visuais tiveram como base as fotografias tiradas ao longo dos workshops. Entretanto, os documentos audiovisuais começam com as gravações dos diálogos estabelecidos com os participantes. Desta forma, conseguimos triangular os dados extraídos e obter as categorias de análise. Para este projeto em particular, decidimos utilizar o software NVivo, que nos permite trabalhar com texto, fotografias e vídeo ao mesmo tempo.
O uso da codificação como a principal estratégia para processar os diferentes materiais em estudo permitiu-nos consolidar e validar o processo de análise através dos diferentes contextos e sessões sucessivas em que aplicamos este método (Bazeley, 2013; Krippendorff, 2013; Schreier, 2012). Graças a isto, e apesar de serem participantes diferentes, a continuidade na atividade do workshop e a sua análise foi sempre contrastada.
Além de construir uma matriz de dados com múltiplas fontes de informação e um intervalo de amostragem de participantes, tentámos relacionar as observações para além das categorias presentes na análise do discurso (van Dijk, 2011; Gee & Handford, 2012; Thurlow & Mroczek, 2011). De acordo com as perspetivas qualitativas sobre o assunto (Bazeley & Jackson, 2013; Saldaña, 2016; Silverman, 2011), os modelos de análise estão a superar a exclusividade no uso de códigos textuais para começar a estabelecer categorias baseadas em significados visuais ou narrativos. Portanto, mesmo que organizemos os dados por categorias analíticas, a interpretação que pretendemos dar a estas observações vai muito além das relações de significado que contêm separadamente.
Resultados
A análise do desenvolvimento do workshop é fundamental para compreender as práticas realizadas neste projeto de literacia mediática. Portanto, se analisarmos o papel dos participantes, tanto dentro como fora do workshop, vamos poder situar as suas práticas e interpretar os discursos posteriormente. Em primeiro lugar, vamos recolher as observações sobre os hábitos anteriores dos participantes; depois, observar quais são as atividades realizadas no workshop e, por fim, analisar os discursos produzidos neste contexto.
Ponto de partida
Conhecer os participantes é uma tarefa prioritária no estudo. É por isso que, antes de começarmos, são recolhidos dados básicos como nome e idade; também pedimos aos participantes para nos facultarem os seus nomes de utilizador nas redes sociais para podermos fazer follow-up depois do workshop.
Todos estes dados permitiram-nos contextualizar, de uma forma geral, a amostra da pesquisa etnográfica. Adicionalmente, durante o workshop, não hesitámos em aprofundar a sua experiência anterior e questionámo-los diretamente sobre a sua atividade nas redes sociais para perceber quais as suas práticas habituais e como estruturar o projeto:
Investigador (I): O que usas para tirar fotos? Participante (P): O meu telemóvel. I: E que tipo de fotos tiras? P: Da família. E de pássaros e animais. I: E depois editas as fotos? P: Não. I: E publicas as fotos na internet? P: Não, guardo-as para mim. (Transcrição 1 / câmara 2 / workshop 3, 13 de dezembro de 2014)
Nesta transcrição, o investigador questiona uma menina de nove anos sobre os seus hábitos fotográficos. A resposta da menina mostra que a forma como usa as fotos é totalmente doméstica, tanto em termos dos dispositivos que usa como dos temas. Mas, acima de tudo, mostra-nos que não existe consciencialização sobre o uso da fotografia enquanto meio de comunicação. Segue-se outro exemplo no qual os participantes têm experiência prévia com os media, como o Instagram. No entanto, ao longo do diálogo, torna-se evidente que o conteúdo publicado nesta rede social permanece eminentemente privado ou focado em relações ligadas ao ambiente circundante.
I: O que publicas no Instagram? P: Fotos do “McDonalls”, de... I: Aquilo que fazes com os teus amigos? P: Sim. I: Tu também? Ou o que é que publicas? P1: Às vezes tiro fotos de paisagens. I: E tu? P2: Fotos de cantores. I: E tu? P3: Fotos minhas. I: De ti? Coisas que fazes com os teus amigos? (Transcrição 2 / câmara 2 / workshop 1, 4 de outubro de 2014)
Como resultado destas interações ao longo do workshop, cada investigador consegue saber mais sobre os participantes com os quais trabalhou. Por exemplo, esta investigadora é capaz de identificar as principais aptidões de cada participante e se a sua competência é o resultado de um processo de literacia formal ou informal. Mas, acima de tudo, consegue detetar valores e opiniões ao contextualizar as práticas desenvolvidas por estes jovens no workshop.
No meu grupo, tinha o S., o M. e a I, todos com perfis muito diferentes. O S. era muito habilidoso com as redes sociais e com a edição, mas preferia o Vine ao Instagram. Ele disse que o Instagram não contribui com nada; que as pessoas apenas publicam selfies e fotos de pessoas e que ele não gosta muito. Por outro lado, tínhamos o M., ele sabia muito sobre fotografia porque já tinha feito um curso e dominou muitas competências, mas o seu pai não o deixava usar o Instagram. A I. tem 12 anos, mas não se envolve, interessa-se por outro tipo de fotos, gosta de prédios antigos e quer melhorar as suas competências fotográficas. (Resumo 1 / investigador K. / workshop 2 / 11 de novembro de 2014)
Este conhecimento dos seus hábitos e crenças sobre fotografia e redes sociais é partilhado por todos os investigadores através dos resumos. Através da sua categorização, conseguimos determinar se alguma destas observações ocorre de forma generalizada. Graças a estes resultados, foi possível determinar de que forma os participantes não estão cientes das práticas online que não correspondem às atividades do seu dia a dia. Portanto, as práticas nas redes sociais permitem que os jovens liguem as suas atividades online e offline aos seus interesses.
Desenvolvimento
O resultado de qualquer prática social não é medido apenas pela produção de objetos culturais, mas também pelo estabelecimento de ritos e crenças partilhadas. Neste sentido, a parte mais importante do workshop não foram as fotografias que os participantes tiraram, mas os objetivos e o conteúdo que criaram. Já vimos a forma como todos estes elementos são levados em consideração para situar as atividades do workshop num contexto mais amplo: o das redes sociais e das experiências do participante nessas redes. Desta forma, as atividades realizadas no workshop estavam ligadas ao contexto sociocultural dos media.
Além de interagir com os participantes através do diálogo, também o fazemos através da observação. Neste caso, as observações que recolhemos estão associadas às próprias dinâmicas do workshop. Ao propor determinadas atividades aos participantes, ficamos a conhecer os seus processos e a forma como a prática é organizada.
Concentro-me principalmente nas ações mais mecânicas, a forma como enquadram e descartam fotos e como aplicam pequenas ferramentas de edição em tempo real. A maioria oferece conselhos, expressa em voz alta as tarefas que estão a realizar e, acima de tudo, imita as ações já realizadas por colegas mais avançados. (Resumo 2 / investigador J. / workshop 1 / 4 de outubro de 2014)
Através deste resumo, o investigador descreve a forma como os participantes começam a tirar fotografias usando os tablets. Entre outras observações, é realçado que este processo não é realizado individualmente, apesar de cada participante ter o seu próprio iPad. De facto, é gerada uma série de ações em grupo nas quais a partilha e a cooperação são fatores-chave. Portanto, qualquer fotografia tirada por um participante é uma consequência direta desta atividade em grupo.
Este grupo não é composto apenas por meninos e meninas, mas também por investigadores que participam nestas atividades através da observação participante. A transcrição seguinte mostra-nos a forma como os participantes estabeleceram práticas comuns ao longo da sessão, através da partilha de trabalho. Assim, a observação e o diálogo unem-se para orientar o processo de literacia:
Investigador (I): L., conta-nos, por favor, como tens trabalhado e quais os objetivos que definiste. Participante (P): Primeiro, perguntámos que tópicos íamos tratar. Finalmente, começámos a tratar o edifício que é construído numa base antiga que pode ser visto abaixo e é coberto por este branco e abaixo é o edifício do século XX. I: OK. Outra questão é se os vídeos que colocámos no início fazem sentido. Se vos deram ideias. P: Sim, mas há uma grande diferença entre o que os mais pequenos gostam e o que nós gostamos. (Transcrição 3 / câmara 1 / workshop 1, 4 de outubro de 2014)
A observação que extraímos é que, além de contextualizar a prática, é essencial partilhar os objetivos quando se realiza uma atividade. Nenhuma fotografia adquire significado a menos que seja tirada com um objetivo por parte do participante, e este objetivo só terá valor se for reconhecido pela comunidade de prática.
Portanto, a missão dos investigadores é estabelecer uma participação guiada (Rogoff, 2008) que permita aos aprendizes realizar as atividades de acordo com os seus próprios interesses e experiências. Procuramos uma participação que também gere papéis que permitam processos de scaffolding (orientação) entre participantes especialistas e principiantes, tal como exemplificado na transcrição da segunda sessão:
I: Meninas, vocês que são especialistas; expliquem como se usa o “Pixart”. P: Entra no “Pixart”. Clica aqui para editar. Escolhe uma foto. I: Olha, tudo isto aqui é o efeito. Expliquem como se usam. P: Estás a tocar aqui e podes pô-la a preto e branco, e com sépia e muitos efeitos. Se fores aqui, podes pôr um texto. I: E qual é o objetivo da edição. Porque é que editas? P: Bem, para melhorar a foto. (Transcrição 4 / câmara 4 / workshop 2, 11 de novembro de 2014)
Neste caso, o investigador descreve um exemplo claro de colaboração na zona de desenvolvimento proximal (Vygotsky, 1987), na qual algumas meninas ajudam outra a realizar um objetivo comum, como editar uma fotografia. A criação de uma comunidade é o resultado destas atividades. No entanto, estamos cientes da dificuldade em atingir este objetivo em tão pouco tempo e com participantes tão heterogéneos. O papel do adulto é fundamental nesta tarefa e em facilitar o trabalho do grupo de investigação que gera essas dinâmicas entre todos os participantes.
Criações
Depois de os objetivos terem sido compreendidos, e tendo em conta a forma como o processo foi realizado, podemos analisar as criações feitas pelos jovens no workshop. Estes conteúdos são o resultado dos seus próprios interesses e experiências anteriores, são caracterizados pelos dispositivos com os quais são feitos e refletem os objetivos partilhados com os investigadores. Mas, acima de tudo, servem para avaliar os discursos dos participantes, uma vez que se tornam a voz viva das suas práticas. Para isso, vamos analisar o uso da linguagem e o conteúdo que representa os participantes nas imagens publicadas no Instagram. Portanto, vamos utilizar uma análise visual que terá em conta quer o denotativo, quer o conotativo, prestando especial atenção à relação entre as imagens e o seu contexto.
Se há uma categoria que se destaca de tudo o resto no workshop, é a selfie. O motivo é que a primeira atividade proposta aos participantes é tirar uma selfie logo no início para ligar os seus rostos às fotografias que tiram ao longo do workshop. De qualquer forma, os participantes continuaram a usar este modelo ao longo do workshop com pequenas variações. Na Figura 2, podemos ver algumas dessas selfies: no lado superior esquerdo, encontramos a versão mais comum, a olhar diretamente para a câmara. No lado superior direito, fingem estar a realizar uma ação (neste caso, falar ao telefone). No lado inferior esquerdo, o participante aparece ao lado de outro objeto ao qual deseja associar a sua imagem. Finalmente, no lado inferior direito, há duas participantes a fazer uma espécie de pose. Em todos os casos, a representação do eu é o conteúdo fundamental da imagem, mas se levarmos em conta a “encenação”, a mensagem será mais ou menos complexa.
Existem outras duas formas de autorrepresentação que se destacam no conteúdo gerado com os tablets. Por um lado, descobrimos a forma como os participantes tendem a tirar fotos em frente a espelhos (Figura 3). Tendo em mente que o próprio iPad inclui uma câmara frontal que faz com que o ecrã funcione como um espelho, não faria sentido que este reflexo fosse retratado. Mesmo assim, as observações mostram que os participantes precisam de tirar fotos de tudo aquilo que os reflete, sejam espelhos, superfícies polidas ou até outros tablets. Outra representação constante nas fotos são os seus pés e os das pessoas à sua volta. Algumas das imagens podem ter sido tiradas por engano, mas este “tema” surge repetidamente, como podemos ver na Figura 4.
Seja uma selfie, um reflexo ou os pés, as representações que os participantes fazem de si próprios são um dos conteúdos mais difundidos, tanto dentro como fora do workshop; uma espécie de discurso mimético no qual os participantes nos falam do seu estado de espírito, experiências e localização no espaço. Quase sem perceberem, estão a construir uma história em que se tornam protagonistas. Um exemplo disso é a colagem que os participantes fizeram com as fotos que tiraram ao longo do workshop. Na Figura 5, vemos uma feita por uma menina de oito anos, resumindo assim a sua experiência, incluindo os objetos e as pessoas que nela participaram.
Estes resultados dão-nos algumas ideias para discussão: os discursos usados pelos jovens no workshop são baseados nas suas experiências partilhadas. A partir de modelos partilhados através da participação guiada, os jovens podem explorar o espaço do workshop através destas representações. Este conteúdo gerado pelo utilizador surge como uma representação da identidade e dos hábitos dos jovens através dos media.
Conclusões
A nossa experiência através destes workshops mostra-nos que os jovens estão a desenvolver as suas próprias práticas e discursos. A sua tenra idade não é um obstáculo ao desenvolvimento de práticas com significado através das redes sociais, mesmo que questões como a privacidade e a proteção de menores limitem claramente o âmbito desta atividade. No entanto, nos workshops, mostram que possuem capacidades suficientes para exercer a participação plena:
em primeiro lugar, descobrimos que os jovens são capazes de usar a tecnologia de forma livre e criativa. No entanto, para que isso aconteça, os media precisam de se tornar contextos socioculturais nos quais é possível realizar atividades situadas e com significado;
em segundo lugar, partilhar dispositivos como tablets e trabalhar em pequenos grupos revelou-se útil na promoção da criatividade. A geração de cenários de aprendizagem colaborativa baseados na interação entre jovens passa a ser mais um elemento fundamental da literacia mediática;
em terceiro lugar, os scaffoldings (orientações) entre especialistas e principiantes também se mostraram bastante proveitosos, particularmente quando se trata de ligar as questões mais técnicas ao contexto sociocultural desta literacia mediática, sem esquecer o papel mediador da equipa de investigação;
em quarto lugar, a conquista de objetivos comuns é crucial para ativar uma aprendizagem com significado. Sem estes objetivos, é impossível gerar um sentido de participação dos media e o valor de uma cultura partilhada. São estes objetivos que geram o significado das práticas nos media.
Com base nestes resultados, podemos apontar algumas práticas que foram especialmente úteis para a literacia mediática. Criar uma comunidade em torno de certas práticas mediáticas pode ser útil, assim como partilhar estas práticas dentro e fora dos media:
os jovens devem equiparar as atividades que realizam nos novos media às relações que mantêm no seu ambiente físico. Apenas esta consciencialização nos permitirá participar de forma significativa e, portanto, fará sentido para eles;
os jovens podem construir a sua identidade através dos media, embora nem sempre consigam identificar-se com o conteúdo que geram. Por este motivo, recomenda-se que os jovens estabeleçam objetivos prévios, que lhes permitam tomar consciência das mensagens que querem enviar;
outro elemento crucial é a falta de ligação entre o conteúdo que geram e a interação social que estabelecem através dos media. A necessidade de literacia mediática é um elemento essencial quando se liga discursos e práticas.
Em suma, há uma literacia mediática que envolve mais do que a compreensão da estrutura, produção e receção de novos media e não se limita a ser um paradigma crítico dos seus textos. Em vez disso, compreende os media como uma ferramenta com a qual se possa participar efetivamente, quer na sociedade, quer na cultura do nosso tempo.
Tradução: Andreia Cunha Silva
(A Inovtrad - Tradução, Formação e Serviços, Unipessoal, Lda.)