A gamificação do processo de aprendizagem: Línguas e humanidades
Palavras-chave:
gamificação, apps, aprendizagem de línguasResumo
A aprendizagem gamificada tem tido um impacto nas ciências humanas, tecnologia ou matemática. Os usuários sentem-se mais envolvidos quando o processo de aprendizagem é gamificado, o que tende a estimulá-los a continuar a aprender e superar as barreiras de aprendizagem. Nas ciências humanas, novas aplicações como o Duolingo, Babbel ou Tandem têm vindo a explorar o processo de aprendizagem de diversos idiomas. Essa tendência foi seguida por aplicativos como o Math Learner, focado na aprendizagem de matemática, Tynker e Kano, focados no ensino de STEM (Ciência, Tecnologia, Ciência e Matemática) para crianças, ou mesmo no Datacamp que, como web app, foi a plataforma líder na aprendizagem de data science para estudantes e profissionais. A realidade virtual também está a abrir um mundo totalmente novo para a experiência de aprendizagem gamificada. Refletiremos sobre a gamificação no processo de aprendizagem, sobretudo de línguas, mas também de STEM e história. Iremos, ainda, abordar as vantagens e desvantagens do ensino híbrido e da sala de aula invertida e o modo como podem ajudar num ambiente de aprendizagem orientado pela tecnologia.
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1. Gamificação na aprendizagem de línguas
A gamificação da aprendizagem está cada vez mais presente na nossa atualidade, desde a aprendizagem de uma segunda língua – com aplicações móveis como Duolingo ou Babbel – ao ensino de STEM para crianças.
A globalização e as necessidades concretas das empresas requerem cada vez mais que os profissionais sejam proficientes em várias línguas para lidarem com um mercado global. A aprendizagem de línguas tem sido propelida pelas novas tecnologias, e o mercado do ensino de línguas online de forma automática e gamificada tem crescido exponencialmente, de acordo com dados da plataforma AppTweak1, uma ferramenta de app storeoptimization (ASO)2 que fornece informações necessárias para aumentar a visibilidade do aplicativo ou jogo, além de impulsionar downloads orgânicos e encontrar novas oportunidades de crescimento.
Segundo os resultados de dezembro de 2019, é possível constatar que a aplicação móvel Duolingo teve o maior número de downloads – com 1 milhão de descargas feitas por usuários – enquanto os números de downloads de outras aplicações como Babbel, EWA, Busuu e Bright, apesar de menores, se revelaram também bastante significativos. O gráfico acima (Figure 1) acima mostra ainda que a aplicação EWA LearnEnglish se destaca na segunda posição e Babbel em terceiro lugar como as aplicações de aprendizagem de línguas com mais downloads em dezembro de 2019.
No gráfico acima (Figure 2)podemos ver o app power3 das principais aplicações de aprendizagem de línguas relativo a dezembro de 2019 na plataforma iOS. A partir do app power podemos inferir que as aplicações mais fortes para o algoritmo de pesquisa da App Store são o Duolingo, Rosetta Stone, Babbel, EWA, e Drops. Estas aplicações terão, à partida, mais facilidade em alcançar os primeiros lugares nos rankings de cada resultado para cada termo de pesquisa. No entanto, algumas aplicações irão explorar mais as palavras-chave que utilizam e poderão alcançar melhores resultados em termos de downloads do que aplicações com maior app power.
Como é possível inferir do gráfico acima (Figure 3), de forma geral, quanto maior é o app power, maior o número de downloads. No entanto também podemos ver que claramente temos exceções à regra: algumas aplicações com um app power menor, chegando a ser inferior a 25, conseguem atingir resultados superiores, em termos de downloads, a aplicações de línguas com um app power de praticamente 50. De forma mais drástica ainda, constatamos que a mesma aplicação pode ter os mesmos resultados que uma aplicação com um app power de aproximadamente 78. O outlier no gráfico é claramente o Duolingo que, sendo o líder de mercado, se destaca tanto no app power como nos downloads mensais.
2. Recursos Educativos Digitais
2.1. Busuu
Conforme mencionado no website da empresa, o Busuu consiste numa rede social para a aprendizagem de idiomas, disponível para Android, iOS e versão web. A sua metodologia consiste no ensino de idiomas com recurso a técnicas de machinelearning e de reconhecimento de fala, acompanhado por planos de estudo personalizados elaborados por linguistas profissionais. Esta aplicação oferece, ainda, a possibilidade de poder falar com nativos de outros países do idioma escolhido pelo aluno.
Ao fazer o download gratuito da aplicação, os usuários podem escolher entre 12 cursos de línguas, a saber: inglês, espanhol, francês, alemão, italiano, português, chinês, japonês, polaco, turco, russo e árabe.
Também é possível aderir à assinatura Premium, cujos recursos adicionais podem dar acesso a lições de gramática, modo offline, além de certificados oficiais da McGraw-Hill Education, uma empresa de educação mundial (apenas para os idiomas inglês, espanhol, francês, alemão, italiano e português).
2.2. Babbel
A plataforma de e-learning Babbel tornou-se acessível ao público em janeiro de 2008, permitindo aos seus usuários aprender um total de 14 línguas – inglês, francês, espanhol, alemão, holandês, italiano, dinamarquês, polaco, norueguês, indonésio, russo, português, turco e sueco. Este software só pode ser utilizado através do pagamento de subscrições mensais e está disponível para Android, iOS e em versão web. Segundo informação do site, há três tipos de subscrições que podem ser adquiridas: cursos de 3, 6 ou 12 meses, sendo os preços mensais de cada 6,65€, 5,54€ e 4,95€, respetivamente.
Apesar de ser uma aplicação que requer um pagamento obrigatório mensal pelos seus usuários, é uma das aplicações deste formato mais utilizadas globalmente, tendo obtido um número de 300 mil downloads em dezembro de 2019, e um lucro de 1 milhão de dólares. É portanto deduzível que a Babbel tenha obtido nesse mês, por cada download efetuado, uma receita de aproximadamente 4 dólares.
Uma das particularidades desta aplicação, que pode ter bastante peso na escolha dos consumidores, é o facto de esta ter um curso acessível de inglês criado em parceria com a Universidade de Cambridge (Lardinois, 2017).
A Babbel usa como principais estruturas de aprendizagem lições interativas que demoram cerca de 10 a 15 minutos a ser completadas – o que, para além de ser bastante prático para o usuário, evita que este perca a concentração – e um “review feature” que permite aos utilizadores relembrarem aspetos das lições já concluídas. Estas lições focam-se maioritariamente no desenvolvimento e aprendizagem da escrita e regras gramaticais, assim como na aquisição de vocabulário e prática de pronúncia.
2.3. Duolingo
O Duolingo é uma das mais conhecidas e mais bem sucedidas aplicações móveis de aprendizagem de línguas, estando acessível pelo browser ou pela aplicação móvel. Esta aplicação coloca ao dispor dos seus utilizadores uma grande variedade de línguas que podem ser aprendidas, incluindo línguas fictícias como Klingon, da série televisiva e cinematográfica “Star Trek”, ou HighValyrian, da obra literária “As Crónicas de Gelo e Fogo” de George R. R. Martin.
A interatividade e dinamismo justificam o sucesso do Duolingo, que alcançou, no final do mês de dezembro de 2019, um total de um milhão de downloads e cinco milhões de dólares. Esta receita é obtida através de planos de subscrição, apesar de a aplicação ser gratuita.
3. Volume e dificuldade: Um mercado em busca de soluções digitais para a aprendizagem de línguas
3.1. Volume e dificuldade: Busuu
As keywords (palavras-chave) são as palavras ou expressões que os usuários escrevem na caixa de pesquisa da App Storeou Google Play a fim de encontrar uma aplicação da sua preferência. O "volume" está relacionado com esse número de pesquisas e potenciais downloads. É possível perceber através da análise do gráfico 4 (Figure 4), oriundo do website da AppTweak, que a procura pelos nomes "Rosetta Stone", "Babbel" e "Language Learning" tem um número bastante expressivo, atingindo o valor máximo numa escala de 0 a 50. Já "busuu learning" e "application" tem um volume baixo (5).
A leitura do volume é importante para os profissionais de marketing e empresários, uma vez que, na posse destes dados, tomam decisões mais informadas para ações internas e externas.
3.2. Volume e dificuldade: Babbel
É possível observar no gráfico abaixo (Figure 5), a relação entre volume e dificuldade das 10 principais keywords desta aplicação. Expressões como "learn languages", "language app", "free language apps", por serem expressões extremamente vagas e amplas e usadas por várias outras aplicações de aprendizagem de línguas, apresentam uma maior dificuldade. Expressões como "duolingo", "language learning" ou "learn english" apresentam o maior tráfego, ou seja, há uma grande possibilidade de que quando um utilizador as procura, acabe por fazer o download da aplicação Babbel.
3.3. Volume e dificuldade: Duolingo
No caso da aplicação Duolingo podemos verificar que existem duas palavras-chave que claramente se destacam – “duolingo” e “starbucks”. Podemos inferir que os utilizadores que fizeram buscas por “duolingo” terão uma maior intenção de compra, recorrendo aos planos de subscrição, do que aqueles que instalaram a aplicação através da keyword “starbucks”.
O interesse do público na aplicação Duolingo, que faz com que esta seja líder de mercado, reside no seu dinamismo e interatividade, como acima referido. A sua metodologia, de acordo com o que está explicitado na página online desta aplicação, passa por uma abordagem funcional à aprendizagem de forma a que esta seja utilizada em cenários reais, e por algo referido como “implicit learning”, que se assemelha à maneira como um nativo aprende a sua língua materna, através de identificação de padrões e repetição.
Esta abordagem pode ser inserida num contexto de ensino híbrido, que consiste na junção do ensino tradicional de sala de aula, com um professor, e materiais online, como vídeos, aplicações ou podcasts. A predileção por este método de ensino pode trazer cada vez mais pessoas ao Duolingo e aplicações semelhantes.
3.4. Processo de gamificação na aprendizagem
Apesar de somente em 2010 o termo “gamification” se ter tornado globalmente utilizado (Pappas, 2014), o termo fora introduzido em 2002, por Nick Pelling, ao referir-se ao conceito de “gamification” como a “utilização de elementos típicos de jogos em situação de não-jogo” (Domingues et al., 2013).
Conseguir que um aluno fique atento e interessado em aprender em sala de aula, e ainda mais fora dela, não é, atualmente, uma tarefa simples. O processo de gamificação e a aprendizagem baseada em jogos (game-basedlearning) têm vindo, nos últimos anos, a ganhar espaço na aprendizagem, com o intuito de promover um equilíbrio na relação aluno/docente, uma vez que por meio dos jogos é possível “desenvolver competências, estimulando a competitividade positiva” (Coelho, 2015).
Com a gamificação, é possível o desenvolvimento da motivação no processo de aprendizagem, visto que ela possibilita que o aluno defina os seus objetivos e utilize processos cognitivos (planificação e a monitorização) e comportamentais (persistência e esforço) para atingir esses objetivos (Schunk, 2012). Como referido, uma das formas de estimular essa motivação é por meio da competição.
Além disso, com o processo de gamificação, é possível estimular a emoção positiva no aluno, criando-se, através desse processo, uma poderosa ferramenta para inspirar a participação e motivar o cumprimento de tarefas difíceis (McGonigal, 2011).
Existem inúmeros sites e aplicativos móveis da App Store (iOS) e Google Play (Android), bem como sites de educação (como por exemplo o Datacamp e o KhanAcademy) que utilizam recursos de premiação para tarefas que foram concretizadas, atribuindo valor por meio de pontuações, percentagem ou troféus, no intuito de motivar os seus usuários (Coelho, 2015). A gamificação é usada na maioria das aplicações de aprendizagem de línguas, como Duolingo, Babbel e Busuu. Usando um sistema gamificado de aprendizagem, estas aplicações conseguem que os seus usuários fiquem “ativos, empenhados e motivados” (Fuchs et. al, 2014), por utilizar, sobretudo, o sistema de recompensas e avanço de fases.
4. Gamificação em STEM, data analysis e história
Com a revolução tecnológica e o desconhecimento de grande parte das profissões que as crianças atualmente em idade escolar irão ocupar no mercado de trabalho, torna-se mais premente e necessária a existência de recursos educativos digitais que ensinem lógica e STEM a crianças, mas também recursos educativos digitais para os profissionais, que devido à “big data revolution” precisam cada vez mais de se atualizar. Nesse sentido, o Datacamp promove a aprendizagem de data science na comunidade profissional de uma forma fluída e gamificada, trazendo o know-how de profissionais de topo nas mais diversas áreas, desde aplicações de jogos como CandyCrush às maiores empresas de data analysis.
A nível infantil de aprendizagem de STEM, empresas como a Kano ou Tynker disponibilizam importantes soluções para as crianças aprenderem programação desde muito cedo fazendo pequenos jogos num sistema muito semelhante a Scratch, no qual conseguem também aceder ao código em Javascript. A nível de aprendizagem de línguas para os mais pequenos, tivemos grandes sucessos, tais como “endless alphabet”, que abriram caminho para que as maiores aplicações deste género fizessem também aplicações de aprendizagem de línguas específicas para crianças, como a DuolingoKids.
Com aplicações de realidade virtual a serem cada vez mais usadas em áreas tão importantes como a medicina, torna-se importante também falar no impacto da UNIMERSIV, já com receitas anuais de 2,5 milhões de dólares. Esta empresa foca-se em trazer recursos digitais educativos em realidade virtual, permitindo aos usuários recuarem à Roma Antiga ou mesmo à Era dos Dinossauros.
5. Conclusão
A aprendizagem de línguas estrangeiras através de aplicações móveis interativas traz mais valias, mas também incógnitas, principalmente quanto à oralidade e fonética das linguagens. Apesar de os algoritmos de reconhecimento de voz serem cada vez mais usados por este tipo de aplicações, ainda não são suficientemente avançados para perceberem todo o espectro da linguagem a nível fonético – não considerando, por exemplo, os sotaques de cada região –, tornando assim o ensino de línguas pouco inclusivo e eficaz.
Quanto à aprendizagem de línguas a nível gramatical, estas aplicações encontram-se ligeiramente aquém das aulas presenciais. No entanto, com todo um sistema de gamificação integrado que pretende levar o utilizador a aprender de uma forma regrada e diária e com um sistema de repetição e recompensa constante, as aplicações de aprendizagem de línguas reforçam e estimulam a aquisição de conhecimento por parte do usuário.
A gamificação e o uso de plataformas de aprendizagem de línguas gamificadas, como as aplicações móveis, podem ser recursos eficazes na descoberta de mais vocabulário e cimentação do processo de memorização, bem como da motivação do aluno a continuar o processo de aprendizagem e revisão ao longo do tempo.
O app power pode ser uma métrica de extrema importância para a visibilidade das aplicações móveis nas lojas e a sua capacidade de chegar às pessoas que procuram este tipo de ferramenta de auxílio à aprendizagem de línguas. No entanto, um app power alto não é, por si só, suficiente; é necessário um trabalho adequado de app storeoptimization e também de aumento da taxa de conversão para se aumentarem os resultados e, por consequência, a exposição ao público ideal que já procura este tipo de produto. A intenção de compra de cada keyword utilizada, bem como de keywords mais longas (long-tails), pode ser bastante significativa no aumento da taxa de conversão de exposição para download, tendo também influência na retenção do utilizador e conversão posterior a uma subscrição paga.
Notas
1 - Disponível em: https://www.apptweak.com/en.
2 - “App store optimization” consiste no processo de aumentar a visibilidade das aplicações em plataformas de distribuição digital como Google Play e App Store. Mais informação disponível em: https://www.apptweak.com/en/aso-resources/aso-glossary.
3 - “App power” consiste num indicador-chave de desempenho de uma aplicação. Mais informação disponível em: https://www.apptweak.com/en/aso-resources/aso-glossary.
Referências
Coelho, R. (2015). Gamification e game-basedlearning: uma abordagem lúdica à aprendizagem [Dissertação de mestrado, Universidade do Minho]. http://hdl.handle.net/1822/38406
Domingues, A., Saenz-de-Navarrete, J., de Marcos, L., Fernández-Sanz, L, Pagés, C., & Martínez-Herráiz, J,-J. (2013). Gamifying learning experiences: Practical implications and outcomes.Computer & Education, 63, 380-392.https://doi.org/10.1016/j.compedu.2012.12.020
Fuchs, M., Fizek, S., Ruffino, P., & Schrape, N. (2014). Rethinking Gamification. Meson Press.
McGonigal, J. (2011). Reality Is Broken: Why Games Make Us BetterandHowThey Can ChangetheWorld. Penguin Press.
Pappas, C. (2014). What are the most effective uses of Gamification in Learning? http://elearningindustry.com/how-gamification-reshapes-learning#introduction/
Schunk, D. H. (2012). Learning theories, An Educational Perspective (6th ed.). Pearson.
Lardinois, F. (2017, 16 de agosto). Babbel teams up with Cambridge English to launch new language test. TechCrunch. https://techcrunch.com/2017/08/15/babbel-teams-up-with-cambridge-english-to-launch-new-language-test/
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