Abordagem didática com o uso das TIC no ensino de Português Língua Estrangeira (PLE)
Palavras-chave:
ensino de línguas, tecnologias da informação e da comunicação (TIC), português língua estrangeira (PLE), cânone literárioResumo
O presente estudo pretende sugerir abordagens didáticas para o ensino de Português Língua Estrangeira (PLE) através das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) obras canônicas literárias em língua portuguesa, como o livro Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Apoiadas ao ensino de línguas baseado em tarefas (ELBT), os propósitos subjacentes à elaboração deste estudo de caso foram incluir as TIC no ensino de PLE. As conclusões revelam que o recurso às TIC pode ser muito significativo para tratar os textos literários canônicos, já que estes são um recurso bastante versátil e útil para aprendizagem de línguas, bem como, para aumentar a motivação dos estudantes.
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1. Introdução
Quando se trata de ensino de língua estrangeira (LE), as abordagens que utilizam textos literários ainda se configuram como um grande desafio para muitos professores. Como a maioria dos cursos de línguas está pautada na Abordagem Comunicativa (AC), é consenso geral que não há espaço para explorar obras literárias produzidas por comunidades da língua alvo (LA), concepção que se deve, muitas vezes, à crença de que estas obras não são pragmáticas, uma vez que apresentam vocabulário específico e sintaxe complexa, e que, portanto, seriam inúteis ao aprendiz de uma nova língua. Contrapondo-se a essa ideia, o presente artigo apresentará um estudo de caso em que se demonstra como é possível incluir clássicos literários nas aulas de Português Língua Estrangeira (PLE) e que o uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) contribui significativamente para a inclusão desse tipo de texto nas aulas de PLE, uma vez que as TIC trazem dinamismo, interação e promovem o diálogo com a contemporaneidade.
Escolhemos um texto do cânone da literatura brasileira por acreditarmos que “os clássicos servem para entender quem somos e onde chegamos” (Calvino, 1992, p. 19), raciocínio que nos leva à conclusão de que um aluno de PLE ficará muito mais consciente dos aspectos relacionados à cultura da LA ao receber conhecimento por meio da literatura produzida nas regiões em que a língua é falada. Capazes de mediar o homem e esse novo mundo que se apresenta por meio da aprendizagem de uma segunda língua, os textos clássicos são uma porta aberta para esse novo universo ao qual a língua-alvo dá acesso. Desse modo, o curso de PLE é elevado a um lugar onde a experiência e vivência são o ponto central e deixa de ser um espaço de meras explicitações de estruturas linguísticas descontextualizadas para tornar-se um espaço de construção de um discurso (Silva, 1986). Vale ressaltar que esse processo será edificado por meio da LA, que torna o próprio texto literário um input bastante expressivo para a aprendizagem de línguas, ou seja, o estudo da literatura traz consigo uma bagagem cultural profundamente vinculada a um patrimônio linguístico.
Isto posto, apresentaremos a proposta didática – que consiste na a transposição do tema central da obra para um problema contemporâneo por meio da adaptação da linguagem – realizada a partir do cânone literário em língua portuguesa: o livro Vidas Secas, de Graciliano Ramos. As bases metodológicas que sustentam este estudo, bem como sua forma de execução, coleta dos dados e aplicação das propostas didáticas, inserem-se no âmbito da pesquisa de natureza qualitativa; é do tipo exploratório e descritivo, realizada a partir de um estudo de caso, o que classifica este trabalho como pesquisa aplicada com recorte temporal transversal e fundamentada em dados primários. No tocante ao público-alvo, trata-se de alunos do âmbito universitário, cursando o Grao en Inglés: Estudos Linguísticos e Literários na Facultade de Filoloxía da Universidade da Coruña (UDC), Galiza (Espanha), com nível B1 em português1 e tendo galego como língua primeira (L1).
2. O uso das TIC no ensino de línguas
Em 2006, o Parlamento Europeu e o Conselho da Europa incorporaram as TIC no processo de ensino-aprendizagem de forma institucionalizada no continente europeu. De acordo com as entidades proponentes, essas competências são uma resposta à globalização e à transição para a economia baseada no conhecimento. A competência digital é uma dessas competências-chave e é entendida como transversal a outras sete competências. O documento afirma:
A competência digital envolve a utilização segura e crítica das tecnologias da sociedade da informação (TSI) no trabalho, nos tempos livres e na comunicação. É sustentada pelas competências em TIC: o uso do computador para obter, avaliar, armazenar, produzir, apresentar e trocar informações e para comunicar e participar em redes de cooperação via Internet. (Comissão Europeia, 2007, p. 7)
A proposta do Parlamento Europeu e do Conselho da Europa está em consonância com a realidade em que vivemos. É sabido que, atualmente, o computador, aparelhos celulares e tablets atuam como elementos fundamentais no ensino de língua estrangeira, uma vez que tais dispositivos são usados como ferramentas exploratórias de novos conhecimentos, bem como servem para veicular conteúdos e significados culturais. (Barbosa, 2005). No entanto, não podemos ignorar as dificuldades produzidas pela inserção das TIC no processo de ensino-aprendizagem de línguas. Muitas vezes, tais percalços são o resultado do despreparo dos professores no que diz respeito à utilização das ferramentas, à seleção da abordagem metodológica mais adequada ao incorporar as TIC à realidade de sala de aula e à escolha da tecnologia adequada.
Yunus (2007) relata que os programas de TIC têm proporcionado avanços e sucessos na Malásia. Segundo o autor, o conhecimento das barreiras para o uso das TIC ajuda a traçar estratégias adequadas para implementar o uso das novas tecnologias no ensino de LE. Seguindo o conselho do autor, a British Educational Communications and Technology Agency (Becta) realizou, em junho de 2004, um estudo detalhado intitulado A Review of The Research Literature on Barriers to the Uptake of ICT By Teachers cujo objetivo era identificar as barreiras que impedem os professores de incorporarem as TIC nas aulas. A pesquisa foi realizada em seis países (Reino Unido, Estados Unidos, Austrália, Canadá, Holanda e China) a partir de uma série de documentos informativos destinados previamente aos professores, coordenadores das TIC e gestores. Como resultado, a pesquisa apresenta as oito barreiras principais para o uso das TIC nas escolas dos países citados: falta de tempo, falta de acesso a recursos, falta de organização do hardware, software inadequado ou de má qualidade, falta de confiança, resistência à mudança e atitudes negativas dos professores, falta de formação eficaz, falta de percepção dos benefícios, problemas técnicos e falta de acesso a recursos pessoais/e em casa (Becta ICT Research, 2004).
Apesar de o estudo não apresentar dados quantitativos para demonstrar numericamente o quanto essas barreiras interferem na vida dos professores, é possível identificar que as questões que envolvem a dificuldade do uso das TIC são mais subjetivas que objetivas, ou seja, as barreiras estão relacionadas com particularidades culturais, por exemplo, uma resistência à mudança de hábito de como ministrar as aulas, mais do que somente a falta de estruturas. Isso reforça ainda mais a necessidade de apresentar propostas que estabeleçam uma relação entre as TIC e o ensino de línguas, gerando referências para que, aos poucos, os professores se sintam motivados a adaptar suas aulas à realidade do mundo contemporâneo.
As TIC são ferramentas essenciais para conectar o aprendiz a uma vasta produção cultural, e isso não pode ser ignorado. O que se pretende mostrar é que as tarefas realizadas por meio das TIC têm o condão de proporcionar benefícios não só aos alunos, mas também aos professores, uma vez que elas ajudam na estruturação das aulas, sobretudo no tocante ao dinamismo, e abrem a possibilidade de interagir com a mesma rapidez com que os jovens navegam na internet atualmente, além de promover a autonomia dos alunos.
De acordo com Braga (2012, p. 62) “a grande revolução no uso da internet foi o aparecimento da web, que permitiu que professores e alunos de línguas estrangeiras passassem a ter acesso à produção cultural de outros países e a falantes dos diversos idiomas em salas de chat, listas de discussões e fóruns”. Logo, constituem uma estratégia de ensino que exige uma postura mais ativa por parte dos alunos. A incorporação de aplicativos e programas ao ensino pode atuar como elemento expressivo de motivação para os alunos e como uma forma de aproximar as aulas da modernidade. Uma vez que os jovens experimentam intensamente situações e ambientes estreitamente conectados à tecnologia do mundo moderno, é importante levar ao ensino de PLE as inovações tecnológicas relevantes, motivadoras e que proporcionem mais conhecimentos aos alunos.
Com base no exposto, verifica-se que as TIC podem contribuir de forma bastante consistente para o ensino de línguas estrangeiras, especialmente no que diz respeito à formação comunicativa almejada e para a vivência de uma experiência de leitura na língua alvo que seja positiva e relevante. Portanto, acreditamos que as TIC auxiliam os alunos a estabelecer contato com obras densas que agreguem valor ao aprendizado, exercendo criatividade e compreendendo o papel lúdico dessa atividade e seu potencial como uma ferramenta capaz de levar a uma experiência participativa a todo o processo de aprendizagem.
3. Abordagem metodológica aplicada ao estudo de caso
Para a realização da sequência didática, optamos pela abordagem baseada em tarefas. De acordo com Richards e Rodgers (2014, p. 223) o ensino de línguas baseado em tarefa (ELBT) “é uma abordagem sustentada pelo uso de tarefas como núcleo de uma unidade curricular” ainda segundo os autores, a presente abordagem apresenta-se como uma forma importante de retomar aos princípios da AC. Essa perspectiva de ensino surge como uma vertente da AC concebida para criar condições na sala de aula para que ocorra o “desenvolvimento do conhecimento implícito e conhecimento procedimental em que a competência comunicativa se baseia, mas sem descurar o conhecimento explícito e a aprendizagem de aspectos gramaticais” (Castro, 2015). Willis e Willis (2007) defendem que, para que ocorra uma aprendizagem significativa, é preciso que o foco no significado e na linguagem precedam o foco na forma.
A partir dessa perspectiva, de acordo com nossa proposta, o professor deve planejar as tarefas com o intuito de promover a compreensão global da língua fazendo uso do ELBT, cujo conceito central consiste em desenvolver tarefas visando alcançar um objetivo final, ou seja, as tarefas são o meio pelo qual o aluno se preparará para a realização de uma atividade comunicativa mais complexa. Com isso em mente, para esse estudo de caso, as atividades foram planejadas para que os alunos lessem a obra canônica e realizassem a adaptação do texto lido, transformando-o em um curta-metragem.
A literatura acerca do ELBT contempla diversas possibilidades para “planejar” as tarefas (Richards & Rodgers, 2014, p. 224). De acordo com Willis & Willis (2007), há três maneiras de se preparar uma tarefa:
Foco no significado: no qual os participantes estão concentrados na comunicação; foco na língua: quando os alunos refletem a respeito da melhor maneira de expressar o que eles gostariam de dizer, ou o professor participa da interação e atua como facilitador parafraseando ou mesmo explicando um aspecto estrutural da língua-alvo; foco na forma: quando um ou mais elementos lexicais ou formas gramaticais são isolados para estudo específico, o professor chama a atenção dos alunos para possíveis problemas. (p. 5)
Portanto, o ELBT se apresenta como abordagem de grande relevância, dada a necessidade de retomar os princípios da AC, como a promoção das atividades que envolvem a comunicação real, a realização de tarefas significativas que levem ao aprendizado e a internalização da aprendizagem por meio da própria língua-alvo (Richards & Rodgers, 2014).
3.1. O curta-metragem resultante
De modo geral, as tarefas têm caráter acional ao longo do processo, ou seja, elas se destinam promover o protagonismo dos alunos que deverão assumir o papel de agentes desde o ato inicial de leitura e tornar-se cocriadores de uma nova perspectiva de mundo adaptado à sua realidade. A criação de um curta-metragem se mostrou consonante com duas das ideias que nortearam nosso trabalho. A primeira delas vem de (Lane, 2012), onde se vê que, no mundo em que vivemos a multimodalidade, esta é a principal forma de veiculação de informações que se tornam culturalmente complexas; a segunda está em Bateman (2012), dizendo que é urgente estudar línguas em associação a diferentes modos de comunicação. Além disso, o gênero permite que os alunos atuem de forma ativa e criativa na realização das tarefas. Desse modo, no processo de adaptar as obras por escrito, os alunos têm de confrontar diferentes competências linguísticas, revisitar as estruturas do idioma, além de reproduzi-lo por escrito e oralmente.
3.2. Contexto do estudo
O presente estudo de caso deu-se a partir da elaboração e aplicação de tarefas previamente planejadas pela própria autora, que é também professora de PLE, em consonância com um dos pressupostos do ELBT A aplicação dessas atividades deu-se na disciplina de Idioma Moderno 3: Portugués, do curso Grao en Inglés: Estudos Lingüísticos e Literários da Facultade de Filoloxía da Universidade da Coruña (UDC), Galiza (Espanha), na edição 2018/2019. O grupo era bastante homogêneo, sendo composto por alunos galegos cuja L1 é o galego. Em virtude da proximidade entre os idiomas português e galego, é bastante comum que os alunos, sobretudo os universitários, cheguem às aulas de português com alto nível de compreensão, mas com baixo nível de produção. Diante de um público-alvo com essas características, um dos maiores desafios para a consolidação do ensino de português tem relação com a influência de seu background linguístico, pois é preciso superar a interlíngua, fenômeno que, segundo Ellis (1994), aparece em estágios naturais de desenvolvimento pelos quais os aprendizes passam a caminho da proficiência na LA.
A amostragem foi escolhida a partir de dois critérios: (i) haver compatibilidade entre o programa do curso e as obras selecionadas (ou vice-versa) e (ii) apresentar conhecimento linguístico de português nível B1/B2. A justificativa para o primeiro critério baseia-se na necessidade de que o trabalho com literatura não seja um peso para professores e alunos. Para tanto, é preciso que as obras se integrem ao programa de uma dada disciplina do curso, de modo que as tarefas possam ser realizadas com fluidez e naturalidade ao longo do ano letivo. Quanto ao segundo critério, o desenvolvimento de tarefas voltadas a um público com nível de português mais avançado permitiu estabelecer como prioridade a exploração do contexto sociocultural em que a obra está inserida, sem, no entanto, negligenciar as atividades que visem promover o conhecimento linguístico em si.
3.3. A seleção da obra
É fundamental estabelecer critérios para a seleção das obras. Para isso, determinamos quatro critérios a serem utilizados. As obras escolhidas deveriam: (i) integrar o programa da disciplina em que o estudo foi aplicado, sem que este sofresse nenhuma alteração; (ii) adequar-se às habilidades linguísticas dos alunos; (iii) apresentar variedade de gêneros textuais (dramaturgia, poesia, narrativa curta ou longa); (iv) pertencer ao cânone das literaturas em língua portuguesa.
Observamos que, entre as temáticas a serem abordadas na disciplina, havia um tema a respeito de “emigração, imigração e migração”. Com base no primeiro critério previamente estabelecido, o livro Vidas Secas, do autor brasileiro Graciliano Ramos, destaca-se como a melhor opção para abordar o tema. Tendo em conta uma classificação periodológica, o romance de Graciliano está inserido na chamada Geração de 30 cuja principal característica é valorizar aspectos culturais das regiões Norte e Nordeste do Brasil, atuando sobretudo como instrumento de denúncia social. Ao mesmo tempo, o romance Vidas Secas obedece ao segundo e ao terceiro critérios estabelecidos, pois a narrativa é relativamente acessível para alunos do nível B1/B2, com a vantagem de apresentar termos regionalistas e específicos, o que justifica a necessidade de discuti-los em aula, além da adaptação para cinema.
Para averiguar se a obra obedecia ao quarto critério, era necessário validar a canonicidade da obra e, para isso, recorremos ao E-Dicionário de Termos Literários. Segundo o verbete de Duarte (2009), para que a obra seja considerada canônica: (a) a obra e o autor devem ser ratificados pela tríade composta por academia, crítica literária e mercado editorial, como sugerido por Bloom (apud Caribé, 2017, p. 23); (b) a obra deve ter sido agraciada com prêmios nacionais e internacionais; (c) a obra deve ter sido sido traduzida para outros idiomas e adaptada para outras mídias, como cinema. além de possibilitar o confronto com o estereótipo de natureza tropical que carrega o país. Além do mais, Graciliano Ramos (1892-1953) foi um romancista, cronista, contista, jornalista e político brasileiro do século XX. Considerado um dos maiores escritores brasileiros e importante representante da Geração de 30, Graciliano tem como sua obra mais conhecida Vidas Secas, publicada em 1938, uma das mais relevantes do acervo literário brasileiro, tendo sido várias vezes premiada: em 1962, recebeu o prêmio da Fundação William Faulkner (Estados Unidos) como livro representativo da Literatura Brasileira Contemporânea; e em 1964, os prêmios Catholique International du Cinema e Ciudad de Valladolid (Espanha), concedidos a Nelson Pereira dos Santos, pela adaptação para o cinema do livro Vidas Secas.
Uma vez obedecidos todos os critérios estabelecidos por parte das obras e dos autores, o projeto pôde ser desenvolvido.
3.4. Projeto: releitura de Vidas Secas, de Graciliano Ramos
As tarefas foram planejadas seguindo um percurso que abrange as etapas de pré-leitura, leitura e pós-leitura (Willis & Willis, 2007). O projeto de releitura do livro Vidas Secas de Graciliano Ramos foi desenvolvido considerando que grande parte da execução das atividades deveria ser realizada fora do espaço de sala de aula. Como o tempo para elaboração presencial era limitado, procuramos priorizar as discussões e a ampliação do conhecimento. Abaixo, sintetizamos a sequência adotada para execução das tarefas:
Fase | Tarefas | |
---|---|---|
Pré-leitura | Preparação (professor) | Pesquisar materiais complementares: imagens, músicas, filmes, etc.; Introdução dos alunos à obra escolhida. |
Pré-leitura | Introdução | Tarefa 1: Brainstorming; Tarefa 2: Discussão Oral; Tarefa 3: Síntese |
Leitura | Aprofundamento | Tarefa 4: Report; Tarefa 5: Glossário on-line através do Evernote. |
Pós leitura | Consolidação | Tarefa 6: X-mind – mapas mentais Tarefa; 7: Discussão oral em grupo. Tarefa; 8: Infográfico no Canva; Tarefa 9: Escrita coletiva por meio do Meetingwords: elaboração do roteiro |
Pós leitura | Representação | T10: Filmagem e edição do curta-metragem: Vidas Secas Contemporâneas. |
A sequência didática ficou disponível aos alunos por meio da plataforma PadLet. A plataforma é uma excelente opção para professores que não contam com outra plataforma institucional como o Moodle, por exemplo. Desse modo, foi possível fazer o acompanhamento on-line ao longo de todo o processo, tanto pela professora, quanto pelos próprios alunos. Em seguida, apresentaremos a descrição detalhada das tarefas realizadas.
3.4.1. Processo de execução das tarefas
Tarefa 1: Brainstorming
A primeira tarefa, estabelecida dentro da esfera da pré-leitura, trata da realização de um brainstorming. A partir das livres associações de ideias relativas à obra a ser lida, essa tarefa tem a finalidade de verificar a familiaridade dos alunos com o significado das palavras-chave relacionadas ao tema em estudo: migração, emigração e imigração. Uma tarefa deste tipo permite, por um lado, direcionar a discussão a partir das definições partilhadas pelo grupo, valorizando suas experiências pessoais e, por outro, abrir aos alunos a possibilidade de desbravarem algumas hipóteses de sentidos. O método usado para incorporar as tecnologias na realização desta tarefa foi o incentivo do uso dos aparelhos celulares pessoais para acessar dicionários e enciclopédias on-line como forma de auxiliar a construção de um significado comum sobre o tema.
Com a utilização destes aparelhos, acreditamos ser esta uma ótima oportunidade para enfatizar a importância de consultar apenas páginas em português como forma de contribuir para a aprendizagem de PLE, bem como para reforçar a ideia aportada por (Leffa, 1999), que defende o uso do dicionário como essencial na sala de aula. Segundo o autor, quando se trata de leitura (mais especificamente leitura intensiva), o leitor nunca deve ir adiante no texto sem saber exatamente o sentido das palavras que estão escritas. Desse modo, é possível compreender a importância do conhecimento de cada palavra para a construção global do sentido.
Tarefa 2: Discussão Oral
A segunda tarefa apoiou-se na discussão oral com o objetivo de levantar hipóteses sobre o que a leitura da obra poderá reservar, partindo de perguntas-chave sobre as quais os alunos devem discorrer, como:
- Quais motivos podem levar alguém a migrar ou a emigrar?
- Que tipo de situação um migrante/emigrante está sujeito a enfrentar?
- Que tipo de sensações e sentimentos podem ser associados a situação de migração/emigração?
Desta forma, esperávamos que eles recebessem os estímulos necessários para acessar ao contexto da obra. Tal tarefa visava, mais uma vez, privilegiar a expressão oral e, ao mesmo tempo, fazer com que os alunos começassem a voltar sua atenção (e expectativas) para o livro de Graciliano. A discussão inicial em relação às perguntas foi realizada em duplas e, logo depois, as conclusões foram compartilhadas oralmente com toda a turma.
No que diz respeito ao contexto de ensino, vale a ressalva de que, dentro do contexto de mundo desses alunos, a ideia de imigração é muito diferente da ideia aportada por Vidas Secas. A fome, a seca e a miséria são realidades muito distantes daquela vivida pelo público-alvo. Dessa forma, por meio da discussão, é possível ampliar seu repertório cultural a respeito do tema. Como forma de complementar a construção de sentido sobre o tema central de Vidas Secas, foi preciso apresentar informações complementares, como imagens, vídeos e músicas para que essa realidade tão distante fosse capturada pelos alunos.2
Tarefa 3: Síntese
Após toda a discussão e exposição de diversos aspectos relacionados à obra, a terceira tarefa consiste na realização de uma síntese sobre o tema central do livro a partir das ideias discutidas em sala de aula. Assim, foi solicitado aos alunos que formassem duplas e escrevessem uma breve síntese, com no máximo 50 palavras, antecipando o conteúdo do livro. Nesse processo, após todas as discussões a respeito do significado do tema, as possibilidades de compreensão são ampliadas e é preciso escolher uma única hipótese que possa definir melhor um sentido possível antes de entrarmos na leitura, tratada na quarta e quinta tarefas.
As tarefas de pré-leitura constituem parte importante do processo e têm o objetivo de disponibilizar repertório suficiente para que os alunos pudessem iniciar a leitura sem grandes dificuldades para compreender o contexto e ampliar seu conhecimento de mundo, bem como contribuir para o desenvolvimento das habilidades de expressão oral a partir de suas experiências pessoais, desenvolvendo até mesmo reflexões mais complexas relacionadas ao livro. Além disso, todas as discussões foram realizadas em língua portuguesa, o que garante um espaço importante de experimentação e interação na língua-alvo.
Tarefa 4: Report
A técnica recomendada para a realização da leitura coletiva é o report (Willis & Willis, 2007), pois é a forma de garantir a leitura global da obra. É uma excelente opção quando o tempo para realização de um estudo mais amplo da obra é limitado. O report é definido como a realização da leitura de forma compartilhada, ou seja, cada aluno lê três ou quatro capítulos da obra e, em seguida, narra ao colega o que foi lido. O compartilhamento deve ser feito seguindo a sequência que aparece no livro e para que a tarefa seja bem sucedida, a leitura individual de um só trecho deve ser feita depois de o aluno ter ouvido o report da parte anterior. Desse modo, ele terá informações para imergir na leitura da parte que lhe cabe.
Esta tarefa parece simples, mas exige que os alunos assumam uma postura ativa, colaborativa e criativa no processo de leitura. Esse tipo de abordagem promove a valorização da expressão oral e, mais do que isso, esta tarefa requer comprometimento e cooperação dos colegas, pois, se houver algum problema em uma apresentação, a compreensão e a apresentação do colega que atuará na sequência ficarão comprometidas.
Tarefa 5: Glossário on-line - Evernote
A quinta tarefa relaciona-se com a criação de um glossário on-line pelos alunos, atividade que será feita coletivamente durante o processo da leitura. Para isso, recorremos ao auxílio do Evernote, um aplicativo gratuito. Essa TIC é bastante versátil e apresenta uma disposição bastante interessante das informações, pois, além de simplesmente criar verbetes, é possível acrescentar imagens, links para websites e outras informações correspondente ao termo, facilitando, assim, a sua compreensão global.
O glossário pode ser atualizado continuamente e o acesso às palavras identificadas fica disponível. Essa forma de disposição do glossário facilita o avanço da leitura, pois muitas das palavras se repetem ao longo do texto e, além disso, várias delas constituem termos específicos da região nordeste brasileira. As imagens auxiliam a compreensão dos termos e, ao mesmo tempo, possibilitam a ampliação do repertório vocabular do aprendiz. Este tipo de tarefa serve como base para a ampliação e exploração de atividades nas aulas de PLE que visem trabalhar aspectos relacionados com registos regionalistas, ou seja, palavras e expressões fora do que é denominado “norma padrão”.
Tarefa 6: X-mind – Mapas mentais
A sexta tarefa foi consolidada a partir da criação de Mapas Mentais que são formas visuais de fixar informações. De acordo com o criador desta técnica, (Buzan & Buzan, 1996), os mapas mentais são ferramentas de pensamento que permitem refletir para o exterior o que se passa na mente daqueles que o produzem. Além disso, é uma forma de organizar os pensamentos, utilizando, assim, o máximo das capacidades mentais dos indivíduos. Mais do que isso, a exteriorização dos pensamentos, por meio de mapas mentais, permite tanto ao professor quanto aos alunos confirmar suas ideias a respeito de um tema central. Ainda de acordo com o autor, esse método de ensino possui alguns componentes como os tópicos com seus conteúdos, símbolos, palavras e desenhos. Por ser uma ferramenta de pensamento, um mapa mental pode ser construído sem a utilização de recursos tecnológicos, ou seja, pode ser desenhado manualmente. No entanto, para sermos coerentes com o uso que fazemos das TIC, optamos por utilizar um aplicativo como forma de auxiliar os alunos a construírem mapas mentais das leituras realizadas.
O programa escolhido foi o X-mind. Os alunos devem usá-lo para elaborar um mapa mental dos capítulos, de modo a sintetizar o conteúdo previamente lido. Esse aplicativo é gratuito e apresenta sugestões de diversas formas pré-estabelecidas para construir um mapa mental e, assim, os alunos só têm de se preocupar em sintetizar as informações mais relevantes de cada capítulo e relacioná-las em uma sequência narrativa de acontecimentos da maneira como lhes convier. Ambas as formas de mapas mentais são aceitáveis, visto que o objetivo da criação de mapas é justamente tentar plasmar o que cada leitor captou durante a leitura. Vale a ressalva de que a capacidade de síntese é uma habilidade bastante sofisticada quando se trata de leitura, ainda mais em LE, o que nos leva a crer que este tipo de tarefa pode estimular essa habilidade.
Tarefa 7: Discussão oral em grupo
A sétima tarefa deverá ser o início do processo de adaptação e releitura da obra. Por meio de uma discussão oral em grupos, relaciona-se o texto à realidade, buscando estabelecer conexões entre os elementos presentes na obra e a realidade dos alunos, tendo em conta questões como as sugeridas abaixo:
- Quais são as formas de migração/imigração ou emigração na atualidade?
- De que modo a ideia de “Vida Seca” pode ser vista sob o olhar contemporâneo?
- O que nos desumaniza ou nos animaliza na sociedade contemporânea?
- Identifique alguma(s) situação(ões), na atualidade, em que as famílias precisem migrar de suas casas contra sua vontade.
- Por que o romance Vidas Secas pode ser considerado uma obra digna de pertencer ao cânone literário brasileiro?
Neste momento, dependendo da realidade de cada grupo, a discussão pode levar a qualquer direção. No que diz respeito a este estudo de caso, destacaram-se alguns problemas sociais da realidade galega que puderam ser relacionados com o livro de Graciliano Ramos, destacou-se o problema que a Galiza enfrenta em relação ao mercado imobiliário. Muitas famílias têm dificuldades em pagar a hipoteca das casas compradas nas cidades maiores, o que implica mudar para uma casa de valor mais baixo onde podem pagar o aluguel, muitas vezes distante do centro urbano. Esse tema abrange diversos aspectos relacionados com a obra Vidas Secas.
Tarefa 8: Infográfico no Canva
A criaçao de infográficos é uma forma de síntese mais visual e auxilia na manutenção do foco sobre o tema e na sequência narrativa previamente planejados. A iconografia criada para este estudo de caso se organizava em cinco passos e essa forma de organização, serviu de guia durante a produção do roteiro. A habilidade de síntese é novamente exigida, agora em outro nível, não mais individual, mas coletivo. Esse tipo de tarefa pode ser feita manualmente, mas no caso concreto recorremos às TIC como forma de diversificar os recursos usados em aula e de facilitar a criação do iconograma. A ferramenta sugerida pode ser encontrada no site do Canva e é gratuita. É possível usá-la para montar diversas formas de apresentação. Além disso, ela apela ao lúdico, visto que permite a diversidade de usos para as TIC.
Tarefa 9: Escrita coletiva através do Meetingwords: elaboração do roteiro
A nona tarefa consiste em escrever o roteiro por meio do programa Meetingwords. A ferramenta é muito interessante para esse tipo de trabalho, já que, com ela é possível escrever de forma colaborativa e quase que simultânea. O Meetingwords é uma excelente ferramenta inclusive para acompanhar o avanço do texto, pois há um espaço para chat pelo qual os participantes do projeto podem conversar e negociar elementos do texto, e tudo fica registrado num único lugar, que pode ser acessado a qualquer momento.
Outro ponto relevante é a divisão entre os espaços de chat e de produção final per se; ou seja, é possível trabalhar aspectos relacionados com a linguagem escrita e suas demandas, bem como aspectos da conversa espontânea, que é muito próxima da oralidade. O uso do chat é muito rico e permite identificar quais são as dificuldades linguisticas dos alunos. A partir disso, o professor poderá desenvolver diversas atividades que envolvam a oralidade e a escrita, como, por exemplo, contrastar duas formas de expressão da língua. Ademais, o chat é algo familiar aos jovens alunos visto que esse modo de comunicação se tornou a principal forma de interação entre os jovens contemporâneos, evidenciando, portanto, a relação entre a aula de PLE e o contexto de mundo real no qual o aluno está inserido.
Tarefa 10: Filmagem do curta-metragem
Finalmente, a décima tarefa envolve a realização da filmagem do curta-metragem É importante destacar que nosso objetivo era que o curta-metragem tivesse qualidade linguística e comunicativa, apresentasse explicitamente elementos culturais extraídos com base no processo de leitura e expressasse, com criatividade, uma releitura da obra canônica vinculada à realidade contemporânea.
Como resultado do trabalho, os alunos fizeram um curta chamado Vidas Secas Contemporâneas. O tema central do curta-metragem produzido pelos alunos estabelece uma relação entre as dificuldades vividas pelas familias galegas diante da crise imobiliária na Galiza com a trágica trajetória da família de Sinhá Vitória e Fabiano na obra de Graciliano Ramos.
4. Conclusões
Após realização das atividades, podemos concluir que o uso das TIC, especialmente a partir da abordagem ELBT, pode ser considerado bastante produtivo. Todas as tarefas foram executadas com total precisão e nenhuma das ferramentas pode ser classificada como inadequada. Pelo contrário, todos os aplicativos e programas foram bastantes úteis naquilo que foi proposto e serviram exatamente ao que havíamos estabelecido como objetivo. As tarefas foram desenvolvidas de forma satisfatória e todos dos alunos foram capazes de realizá-las.
Pudemos observar que foi possível superar o desafio inicial diante do texto literário quando há outros elementos motivacionais (e bom planejamento) como é o caso das TIC. Por meio de uma pesquisa que procurou medir a satisfação dos alunos ao realizar as tarefas por meio das TIC, constatamos que seu uso foi fundamental para o sucesso na execução das tarefas. Como imaginávamos, as TIC constituíram o principal elemento motivador para a execução das tarefas, como também serviram de elemento facilitador para ela. Isso revela a urgência em integrar a tecnologia ao ensino, sobretudo ao ensino de línguas.
Assim sendo, o presente trabalho destaca que as tecnologias devem ser as principais aliadas para que o ensino de línguas se consolide, visto que elas dialogam com o público contemporâneo e viabilizam o trabalho com obras literárias canônicas em língua portuguesa no contexto de ensino de PLE. Mais ainda, acredita-se que, para as futuras pesquisas, essa ideia possa ser ampliada para a abordagem de obras pertencentes a outros países que compõem a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). Acreditamos que finalmente será possível, por meio das TIC, promover um ensino de língua portuguesa plural e integrador.
Notas
1 - Segundo o Quadro Europeu Comum de Referência Para as Línguas – Aprendizagem, Ensino, Avaliação (QECRL), disponível em: http://area.dge.mec.pt/gramatica/Quadro_Europeu_total.pdf.
2 - Como material complementar sugerimos imagens/fotografias do sertão brasileiro (facilmente encontradas na internet) ou mesmo a partir de fotografias de autores consagrados como Sebastião Salgado; a apresentação de um trecho da longa metragem Morte e vida severina, baseada na obra homônima de João Cabral de Melo Neto, outro grande nome da literatura regionalista brasileira, e a música Asa Branca, de Luiz Gonzaga.
Referências
Barbosa, R. M. (2005). Ambientes Virtuais de aprendizagem. Artmed.
Bateman, J. A. (2012). Multimodal Corpus‐Based Approaches. Wiley Online Library. https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1002/9781405198431.wbeal0812
Becta - British Educational Communications and Technology Agency. (2004). A review of the research literature on Barriers to the uptake of ICT by teachers. https://dera.ioe.ac.uk/1603/1/becta_2004_barrierstouptake_litrev.pdf
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